QUEM  VAI   BUSCA O  FUTURO

         No sobado do MUNDO tinha uma sanzala que se chamava TEMPO. 
          Na sanzala tinha um velho e o velho tinha um filho.
       O velho que tinha um filho (e tinha um neto também que se chamava Futuro) já quase não trabalhava.
Tomava conta do neto, ficava sentado ao sol, e contava uma estórias das TERRAS-DO-AMANHÃ. E lá só havia flores e animais de brinquedo e um caldeiro de funge e uma quinda de peixe (grande, tão grande que era) que podia o mundo todo comer, sem nunca acabar.
E o avô Antigamente contava. E o pioneiro ouvia. E o povo admirava estes contos e estórias que só o velho sabia.
-         Mas que estória mais bonita que o vôvô me contou. Melhor que ouvir é ir ver (e conhecer) essas TERRAS-DO-AMANHÃ, onde a fome já morreu e a doença acabou.
E o Futuro partiu. E Antigamente ficou.
Triste , o pai desconseguiu de o encontrar e pensou:
-       Agora fazer o quê, se o menino fugiu? Mil caminhos tem o mundo  uns de paz, outros de fome, uns de amor, outros de guerra... como posso eu encontrar a estrada para aquela Terra?
Mas o povo não achou que o pai  tivesse razão. Discutiu e até bravou - fez comício e confusão :Quem vai buscar o Futuro que fugiu e foi p'ra longe?
-       Deixa só! diziam uns - aonde foi é seguro. Nas TERRAS-DO-AMANHÃ, nas chanas da LIBERDADE, não há cacimbo nem fogo, nem perigo de ter mar fundo.
-       Afinal?! você esquece onde mora a LIBERDADE, a reacção aparece - mosquito da kazukuta, o paludismo burguês, e outras doenças mais, prontinhas para acabar com o Futuro de uma vez?
-       Mas o Futuro não morre! ...
-       Mas pode ficar doente.  E se o Futuro adoece é o povo, é mesmo a gente que morre,  sofre e padece.
E discutiam, falavam, uns com os outros na aldeia. E todos, todos chegavam, sempre e sempre à mesma ideia: é preciso procurar o Futuro de uma vez?
     E quem vai? Este era o caso.
E resolveram então - o povo, o filho e o velho - levar esta discussão, ao soba que tinha fama, de homem de bom conselho.
Gente veio - e era muita. Povo, sol, poeira, sombra (debaixo da mulembeira, onde o soba se sentava)... O povo na roda, ouvia. Ouvia só, não falava.
-       Quem vai buscar o Futuro? Só o avô Antigamente sabe onde  fica essa terra.  Mas está velho e doente.  Vai demorar tanto tempo que ainda morre primeiro. Sozinho, com Antigamente, nunca se chega ao Futuro. Que vá  o filho que é novo, procurar o pioneiro.
-       Não concordo - o Futuro não se encontra só à toa. É preciso saber (e escolher) qual é o caminho mau e qual é a estrada boa. Sozinho e sem experiência, a juventude não chega. Paciência! Que vá o velho, portanto - capengando, devagar, sem engano no caminho, demora, mas vai chegar.
A discussão aumentou. Cada qual queria falar - dar a sua opinião. Zangado o soba cortou:
-       Isto assim não tem mais jeito!  Isto assim é confusão! Vamos voltar ao respeito de se falar um a um. Onde toda a gente fala, nunca se ouve nenhum.
E o respeito voltou.  Um outro kota falou:
-       Se o velho não pode andar, se o filho se vai perder, juntemos então os dois. Porque um pode aconselhar e o outro, pode aprender, e assim (sem se enganar) chegar às terras e ao Futuro que todos queremos ver.
-        E isso mesmo, Mais-velho, gritou o povo contente.
Mas alguém se levantou. O vendedor de maruvo também lá estava presente. Quis falar. Soba deixou. O povo não lhe gostou, mas ouviu serenamente.
-       Se o velho vai sozinho, não aguenta e morre. Se o filho não leva o pai, entra no caminho errado e perde-se. Se o avô vai nas costas do filho - atrasa e chega tarde.
-       Nunca é tarde para chegar e encontrar o Futuro, gritou o povo zangado.
-       Mesmo agora já é tarde. Porque a estrada tem onça. Lá na mata tem leão. Mesmo na chana tem cobra... A esta hora, o pioneiro morreu... ou do frio do cacimbo, ou medo da escuridão.
-          Tu não gostas do Futuro, disse o soba ao vendedor, pois onde o Futuro cresce, a exploração vai morrendo e logo desaparece. Mas tens razão numa coisa: de qualquer modo, chega-se tarde ao Futuro se for só o filho e o velho. Que vá pois o Povo todo. É isto que eu aconselho.
E naquele sobado do MUNDO que tinha uma sanzala que se chamava TEMPO, e um velho que tinha um filho e tinha um neto também...
  Naquele sobado daquela sanzala, já não tem mesmo mais nada - nem casa, gente, nem muro.
É que foi o povo todo à procura do Futuro ... Homens, mulheres e crianças. Embambas das casas e galinhas do terreiro. Porcos, cabras, bois. Quindas de mandioca, livros de escola, professores e enfermeiros...
        E o vendedor de maruvo?
Esse ficou. Depois seguiu atrasado. Sem gente para comprar, todo o maruvo estragou.  Deitou as  cabaças fora que era um peso escusado. Pegou  na enxada e cavou. Se gostou, ou não gostou - não sei. Mas aprendeu a lei: O FUTURO NUNCA MORRE. Ninguém o pode matar.
E quem encontra o Futuro?
O velho cego e doente (Antigamente )?
O filho forte e sadio (que era novo)?
Nem um, nem outro.  Certamente, que só se chega ao FUTURO com o POVO.                               
                                                                 

 DARIO DE MELO
1ª edição INALD 1982
Colecção Piô-Piô nº1
Tiragem: 5000 exemplares
Capa e Ilustrações: ANTÓNIO DOMINGUES
2ª edição INALD / Dez.1986                             
Colecção Miruí - nº7
  Ilustrações: Carmelo González